O receio de instabilidade pós-eleitoral em Angola, devidamente propalada pelo MPLA com as referências à cabidela, aos burros, aos bandidos e aos lúmpenes (para além do risco de lavarmos no focinho como prometeu o general Francisco Furtado), mais que duplicou a procura nos estabelecimentos comerciais em Luanda, com enchentes de populares ávidos em garantir alimentos no dia que antecede as quintas eleições angolanas.
Frescos, arroz, óleo e massa alimentar são os produtos com mais saída nos diversos armazéns e estabelecimentos comerciais da capital angolana, onde os gestores das superfícies garantem responder à procura dos consumidores.
A considerável presença de pessoas, entre compradores e vendedores, no mercado das Pedrinhas, no bairro da Terra Nova, distrito urbano do Rangel, desperta a atenção de quem por ali circula, num intenso movimento também de viaturas que abastecem os armazéns.
Comerciantes reconhecem ser uma enchente anormal, em comparação com os dias anteriores, e associam a procura por bens da cesta básica às eleições de quarta-feira, devido a receios de instabilidade após o sufrágio.
Natália Francisco, gerente de um armazém daquela circunscrição, disse à Lusa que a procura de produtos no seu estabelecimento aumentou de forma considerável, sobretudo hoje, “porque as pessoas estão meio preocupadas” com o pós-eleições.
“Acredito que se deve àquilo que se está a dizer sobre as eleições. As pessoas estão meio preocupadas porque não sabem o que vai acontecer depois das eleições, então estão a querer aumentar o ‘stock’ das suas casas”, contou.
Com um elevado número de facturas em mãos e sempre atenta aos movimentos dos clientes presentes no armazém, esta gerente deu nota que o arroz, a fuba, o óleo e a massa alimentar lideram a procura dos clientes.
“Sim, temos [quantidade suficiente para responder à procura]. O arroz, a fuba, o óleo, a massa alimentar têm mais saída e em grandes quantidades, as pessoas estão a querer mesmo ter um ‘stock’ considerável em casa”, acrescentou.
Entre dezenas de clientes naquele armazém, Valdick Oliveira acorreu à zona comercial, adjacente ao Mercado dos Congoleses, para “fazer um bocadinho de compras” porque “a reserva de casa está baixa”.
O funcionário público apontou, por outro lado, a necessidade de ter o essencial em casa por estar igualmente céptico sobre o que poderá surgir depois das eleições de quarta-feira.
“Hoje vim mesmo aumentar o ‘stock’ e também por causa de amanhã, não se sabe o que vai acontecer amanhã [quarta-feira] por isso vim aumentar a reserva de casa”, frisou.
Valdick Oliveira defendeu igualmente que os angolanos devem aderir às urnas, considerando, no entanto, como legítima a preocupação generalizada sobre instabilidade pós-eleitoral.
“No meu ponto de vista, [o receio] é legítimo, porque se não sabe depois do evento que vai acontecer amanhã [quarta-feira] o que vem a seguir, então há necessidade de aumentar o ‘stock’ em casa” insistiu.
Naquela zona comercial, o intenso movimento de pessoas com produtos, transportados sobre a cabeça e outros em cangulos, condiciona a circulação dos transeuntes, no mesmo local onde as vendedoras também comercializam produtos a retalho.
Numa outra superfície comercial, da mesma zona, a gerente Celestina Fernando falou em procura “anormal” de produtos, num dia em que considerou como muito agitado, devido às eleições.
“As pessoas estão preocupadas em fazer compras para prevenir já o que vai acontecer e estão preocupadas com isso. A procura multiplicou, sim”, disse.
A gerente lamentou, por outro lado, o aumento dos preços dos produtos, em relação aos meses anteriores às eleições, referindo que o preço de saco de arroz de 25 quilogramas subiu para 9.000 kwanzas (20 euros) contra os anteriores 7.000 kwanzas (16 euros).
O aumento dos preços dos produtos da cesta básica também foi constatado por Mariana de Jesus Singui, que acorreu igualmente a um dos armazéns daquele mercado para comprar cinco quilos de arroz por 2.500 kwanzas (5,7 euros).
Para a jovem desempregada, o aumento dos preços veio dificultar ainda mais a vida dos angolanos, que vivem o período que antecede as eleições gerais com “receios de guerra”.
“Estão a dizer que vão fechar os armazéns, pode ter uma guerra ou que as pessoas estão a vir comprar qualquer coisa, esse receio não é normal”, salientou.
“Mas as coisas não estão mesmo boas nesse país, o [quilograma de] feijão era 600 kwanzas [1,3 euros], mas agora está a 900 kwanzas [2 euros], as coisas estão mesmo mal. João Lourenço [actual Presidente angolano e candidato do MPLA, no poder] veio estragar o nosso país, não está mesmo bom”, referiu.
A grande movimentação de pessoas nas superfícies comerciais e mercados informais é registada ainda em vários pontos da capital angolana.
QUEM QUER A CONFUSÃO, A VIOLÊNCIA, A GUERRA?
João Lourenço, Presidente da Re(i)pública de Angola, Presidente do MPLA e candidato à reeleição, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, disse recentemente que todos os que não pensam como ele são “burros”, “bandidos” e “lúmpenes”.
(Des)governados há 47 anos pelo mesmo partido, o MPLA, quererão os angolanos mais do mesmo? Angola é um dos países mais corruptos do mundo? É. É um dos países com piores práticas “democráticas”? É. É um país com enormes assimetrias sociais? É. É um país com um dos maiores índices de mortalidade infantil do mundo? É. É um país eternamente condenado a tudo isto? Pelos vistos É. Ou talvez não, se os angolanos em vez de escolherem um general formado e formatado na escola soviética optarem por um político que, embora formado na escola europeia, nunca deixou de ser (pelo contrário) angolano, africano.
Mas isso o MPLA nunca vai permitir. Como aconteceu nos últimos 47 anos, os ortodoxos do regime angolano, agora capitaneados por João Lourenço, não conseguem deixar às gerações vindouras algo mais do que a pura expressão da sua cobardia e inferioridade, entre outras coisas, faz com que milhões de angolanos tenham pouco ou nada, e poucos tenham muitos milhões.
É típico do MPLA. Quando não tem argumentos parte para a ofensa, a ponto de – por exemplo – o ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente, general Francisco Furtado, avisar que quem disser mal do MPLA “vai levar no focinho”. Enquanto Adalberto da Costa Júnior defende o poder das ideias, João Lourenço aposta tudo nas ideias de poder. Enquanto Adalberto da Costa Júnior defende a força da razão, João Lourenço só conhece a razão da força.
João Lourenço acusou durante a campanha eleitoral de 2017, no Bié, a UNITA, e as suas forças militares cuja existência terminou há 20 anos, de ter sido responsável pela destruição da capacidade industrial do país durante a guerra, o que – disse o presidente – cria dificuldades adicionais na criação de emprego para os jovens. Tratou-se de um paradigmático acto de cobardia. Mas resultou. E dessa forma assassinou a promessa de criação de 500 mil empregos.
Talvez os génios do MPLA, quase todos paridos nas latrinas da cobardia intelectual e da generalíssima formação castrense “made in” URSS, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanidade. É por isso que alimentam o ódio e a discórdia, o racismo, não reconhecendo que a liberdade deles termina onde começa a dos outros. Não aceitando que a reconciliação passa pela inclusão e não pela exclusão, não reconhecendo que numa guerra, como foi a nossa, ninguém teve razão.
Ao reacender o seu complexo de inferioridade, João Lourenço mostrou que – afinal – pertence ao grupo que advoga a tese de que em Angola existem dois tipos de pessoas: os angolanos (os que são do MPLA) e os outros (os que não são do MPLA).
João Lourenço está-se nas tintas para os tais “outros” que morrem todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos. E morrem enquanto o MPLA (este MPLA) canta e ri. E morrem enquanto ele, em Luanda, come lagosta e trata os adversários políticos como inimigos, chamando-lhes “burros”, “bandidos” e “lúmpenes”.
É que, quer o MPLA queira ou não, como na guerra, a vitória é uma ilusão quando o povo morre à fome. E nós temos 20 milhões de pobres que o MPLA criou. Tal como está a Angola profunda, a Angola real, a Angola construída à imagem e semelhança do MPLA e dos seus dirigentes, se João Lourenço e o seu MPLA ganharem as eleições, os angolanos – até mesmo os do MPLA – ficam a perder.
Admitimos que o próprio José Eduardo dos Santos terá tido, de vez em quando, consciência de que a sua ditadura não era uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução. No entanto, João Lourenço não pode ter esse benefício da dúvida. O seu comportamento mostra um índice de menoridade civilizacional e um nanismo intelectual que só tem um objectivo: instaurar ainda mais a lei de partido único (embora sob a máscara da democracia), blindar a ditadura e negar qualquer direito aos escravos do reino.
Estamos agora muito perto de dar um pequeno mas decisivo passo para que os angolanos, irmãos de sangue, se entendam para ajudar Angola a ser um país onde os angolanos sejam todos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros. Mas, é claro, João Lourenço volta a estragar tudo, volta a apelar à guerra, a ameaçar com a guerra e a mostrar que – para ele – perder eleições não significa perder o Poder.
Ao não se inibir de ganhar graças à batota, à fraude, João Lourenço e este MPLA estão a dizer-nos que única alternativa é mesmo aquilo que os angolanos não querem, a guerra. Ganhar eleições à custa da fraude é, de facto, um convite para que alguém puxe o gatilho.
Se há 20 anos todos nos entendemos para que Angola deixasse de ser uma gigantesca vala comum, não seria difícil que hoje nos entendêssemos no sentido de que a força da razão substitua a razão da força. Eis então que aparece João Lourenço a defender o contrário, desenterrando muitos fantasmas e mostrando que para ele a guerra só acabará quando deixarem se existir pessoas que pensem de maneira diferente.
Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mataram-se uns aos outros. Acabada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamente pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem – o MPLA – subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior.
Mais do que julgar e incriminar, importava parar com as acusações. Parar definitivamente. João Lourenço e o (seu) MPLA assim não entendem. Aproveitaram o intervalo na guerra que acham que ainda não acabou para, no meio de palavras às vezes simpáticas e conciliadoras, ganhar tempo e continuar o processo de esclavagismo, ganhar tempo para formar novos milionários, ganhar tempo para sabotar eleições, ganhar tempo para enganar, voltar a enganar, o Povo.
Angola tem generais assassinos a mais e angolanos livres a menos. Angola tem feridas suficientes para ocupar os médicos (que não tem) durante décadas. Mesmo assim, João Lourenço não está satisfeito.
Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportunidades, a justiça, o Estado de Direito cheguem antes de morrer o último angolano. Esperamos que disso se convença João Lourenço. É que se continuar a insistir na guerra mesmo falando de paz, um dia destes alguém lhe fará a vontade. E, se calhar, até mesmo alguém do seu partido…
Folha 8 com Lusa